Alimentação e agricultura apoiadas pela Comunidade no Japão
Judith Hitchman, abril 2010
Histórico
Com a continuação da crise econômica, financeira, social e ambiental mundial, a pertinência das ações locais é maior que nunca. A importância da soberania alimentar para as comunidades tomou um novo sentido. Mas a Agricultura Sustentada pela Comunidade (ASC) não tem nada de novo. O conceito foi inicialmente concebido no Japão no início dos anos 1970, para tentar assegurar uma alimentação sadia e orgânica numa época em que a poluição pelo mercúrio provocou a doença Minemata, o leite materno envenenando as crianças e a poluição provocando graves estragos de uma maneira geral. Três iniciativas se reuniram, em grande parte sob a iniciativa de Yoshinori Kaneko, para dar à luz o sistema Teikei japonês. Um fenômeno similar nasceu no mesmo momento na Suíça, sem relação aparente. Como o diz com pertinência Elizabeth Henderson, uma das personagens chaves no campo da ASC e a luta mundial para as parcerias solidárias entre produtores e consumidores: “Um século de ‘desenvolvimento’ quebrou o laço entre as pessoas e a terra que produz sua alimentação, e isto em muitos países do Norte como do Sul. Algumas décadas de livre comércio bastaram para isolar as pequenas unidades de produção familiar e desesperar os camponeses. Uma longa série de escândalos alimentares – as doenças provocadas pelos elementos patogênicos nos alimentos, o leite e os outros produtos contaminados pelos OGMs e poluentes químicos – provocaram crises de confiança nos alimentos importados das unidades industriais. A ASC possibilita um retorno a uma abordagem de conjunto, à saúde, e à rentabilidade econômica”.
A rede de Urgenci International interliga muitas redes nacionais de parcerias entre consumidores e produtores dos diferentes países de todo o mundo. O objetivo central é de disseminar e promover o conceito da Agricultura Sustentada pela Comunidade, assim como as questões contíguas, tais a preservação da biodiversidade, o acesso à terra e conceitos similares, como os mercados dos pequenos produtores. A situação mundial atual favorece o desenvolvimento natural deste fenômeno, e isto representa uma parte vital de uma nova economia solidária.
Um estudo de caso exemplar: as autoridades locais de Tamba city enfrentam o problema.
A cultura japonesa é amplamente baseada sobre os conceitos da harmonia e da paz; isto é um desafio ingente num país onde 21 por cento da população têm mais de 65 anos de idade, onde um número crescente de terras agrícolas não são cultivadas, mais alimentos industriais importados, os jovens que migram das comunidades rurais para os estilos de vida urbanos… Mas o alimento desempenha um papel central no estilo de vida dos japoneses e representa uma das cozinhas mais refinadas do mundo.
Nós tivemos a oportunidade de realizar uma visita de campo à iniciativa local de Tamba City, antes do simpósio de Kobé. Tamba City é o resultado da fusão de 6 cidades diferentes, há alguns anos disto. A população é de 71.000 pessoas e a cidade se encontra a uma hora mais ou menos de Kobé, na Prefeitura de Hyogo. É ali que Shinji Hashimoto vive e cultiva suas terras. A região é reputada pelas paisagens dramáticas e sua excelente alimentação.
De maneira a desenvolver o sistema Teikei, e responder a certos desafios evocados, Shinji foi em grande parte o responsável por ter convencido as Autoridades locais a apoiar financeiramente a instalação sobre terras agrícolas de jovens de diferentes cidades. Ele ajudou a iniciação de um sistema de aprendizagem que lhes permite adquirir seu novo ofício, alternando entre estágios com um agricultor experimentado e o trabalho nas suas próprias unidades onde eles alugam as terras. Esta iniciativa já apresentou resultados, com mais de mil consumidores que se beneficiam dos cestos, e um acesso a frutas e verduras orgânicas a preços razoáveis durante dez meses do ano.
Os produtores e consumidores envolvidos no projeto nos prepararam um dos mais finos banquetes que eu jamais comi, utilizando apenas produtos locais, e tudo isto cozinhado pelos membros do grupo Teikei. As alocuções cerimoniais eram muito comoventes, com o prefeito e as outras personalidades locais que apresentavam seus parabéns aos agricultores e aos numerosos visitantes que vieram de outros países. Todos os agricultores se apresentaram ao grupo, assim como seu projeto individual. A maioria tinha deixado empregos em fábricas para se instalar numa vida rural e servir sua comunidade produzindo uma alimentação de qualidade.
Se servir da natureza preservando-a
A busca de uma vida harmoniosa já evocada neste artigo se ilustra bem mediante o método de cultivo do arroz ao tempo em que se preserva as zonas úmidas: os arrozais são povoados de patos. Eles ajudam a limpar, trazem um adubo natural e produzem uma carne sadia. O grande grou oriental (konotori), uma ave muito sensível à poluição, desaparecera do Japão quando a agricultura “moderna” matou as rãs, peixes e outros animais das zonas úmidas. A última ave morreu perto à proximidade de Kinosaki em 1971.
O Parque natural de Konotori no Sato foi concebido para reintroduzir os grous no Japão, com aves importadas da Rússia. Os grous doravante são uma espécie protegida pelo governo e se tornaram o símbolo da região de Tajima em torno de Kinosaki, onde eu passei vários dias, e onde até o aeroporto local recebeu seu nome em homenagem a eles (Konotori Takima Airport).
A 10 quilômetros de Konosaki se encontra a reserva natural de Konotori no Sato. Trata-se de um museu e também de uma reserva onde os visitantes podem aprender sobre a vida dos grous, o programa de criação e de conservação e também observar as aves no seu habitat natural.
A meta do programa se realiza na medida em que os agricultores locais modificam suas práticas agrícolas para preservar as zonas úmidas e os grous retomam sua vida na natureza. Em maio de 2007, pela primeira vez desde 1964, um filhote nasceu na natureza. Os pais dele nascidos no Parque tinham retomado sua vida na natureza. Os agricultores da região são muito orgulhosos de seus grous, e com toda razão!
Desafios e ameaças
Um desafio maior ao qual todas as formas de produção de alternativas econômicas se encontram confrontadas é aquele dos padrões e da qualidade; isto é particularmente verdadeiro para o alimento. Num mundo onde a indústria agro-alimentar transnacional impôs custos de certificação proibitivos para os pequenos produtores, há um risco de exclusão do mercado. O sistema da certificação participativa (participatory guarantee system, ou PGS), tal como Nature et Progrès na França, traz entretanto uma resposta. Existe um sistema análogo no Japão. Uma ameaça muito mais insidiosa é a produção em escala industrial dos alimentos orgânicos, um meio para as empresas transnacionais se apossarem do nicho de mercado do número crescente de público que compreendeu os perigos dos OGMs e dos pesticidas, mas que não sabe distinguir entre os produtos orgânicos industriais e os produtos da agricultura camponesa, e que não vê senão a atratividade dos preços menores praticados pelos supermercados. Parece-me importante aumentar a conscientização sobre esta questão.
Mudar de escala mantendo a abordagem local e a construção das redes
Como em muitos estudos de casos, ilustrados pelos artigos deste jornal, o sistema Teikei e as outras abordagens da ASC (AMAP na França, GAS na Itália, os mercados de pequenos produtores na Grã Bretanha, Équiterre no Quebec, Vodelsteams na Bélgica, Reciproco no Portugal…) são todos baseados sobre uma abordagem de desenvolvimento local sustentável. Uma alimentação local, empregos locais, menos petróleo, menos “food Miles”… Para citar Elizabeth Henderson: “Cada projeto de alimentação local toma corpo a partir dos gostos, dos talentos, das necessidades e dos recursos de seus criadores. Quanto mais nós aprendemos uns com os outros, mais nós apoiamos mutuamente, mais rapidamente vamos avançar para comunidades sustentáveis e tranqüilas”. Para tanto, a Rede Internacional Urgenci pensa continuar a difundir o conceito de Parcerias Locais Solidárias entre Produtores e Consumidores, e construir alianças e parcerias com outras redes para reforçar a capacidade da sociedade civil a lutar contra as crises múltiplas.
Fuentes :
Publicado no Boletim Internacional de Desenvolvimento Local Sustentável #67, abril de 2010